No momento mais crítico da pandemia no Rio Grande do Sul até agora, o governador Eduardo Leite fala sobre as estratégias adotadas após quase um ano de enfrentamento à Covid-19 e do risco de colapso na Saúde. Revela quais os indicadores que mais chamam atenção na fase atual e informa quais as alternativas estudadas pelo Palácio Piratini para garantir ampla cobertura vacinal à população gaúcha. O governador decretou a implementação dos protocolos da bandeira preta do Modelo de Distanciamento Controlado em todas as regiões do Rio Grande do Sul e, apesar da pressão de diversos prefeitos, ele ainda suspendeu o modelo de cogestão que vinha sendo adotado.
Por que esse está sendo considerado o momento mais crítico da pandemia no Rio Grande do Sul?
Todo momento é o mais crítico até que venha um que supere a criticidade do anterior. Vivemos momentos críticos no passado, mas sempre com fôlego e estrutura hospitalar para atender todos que precisavam. Foi assim no início do inverno, quando estávamos em plano processo de expansão dos leitos hospitalares, e também foi assim entre o final de novembro e início de dezembro, tínhamos uma estrutura, mas havia receio com relação às festas de fim de ano e por isso fomos mais restritivos naquele momento. E as restrições também acabam acontecendo sempre porque está crescendo o contágio e a demanda por leitos, não sabemos quanto vai aumentar e por quanto tempo vai continuar crescendo, estamos lidando com algo desconhecido e nunca sabemos como vai ser o comportamento do vírus. Agora é o momento em que verificamos que mais rapidamente está crescendo a ocupação dos leitos hospitalares, o que indica uma taxa de contágio mais acelerada do que nunca, os nossos leitos clínicos e de UTIs tiveram um salto de ocupação em 15 dias. No final da primeira semana de fevereiro, eram mais de 20% e agora já são mais de 54% de leitos clínicos ocupados. Nos leitos de UTI, a ocupação era de 75%, em média, e agora são mais de 94%, e isso aconteceu em 15 dias. Não tem como acompanhar na estruturação do sistema de saúde essa velocidade e, além disso, está se verificando um aumento da letalidade dos que são internados em leitos de UTI. As pessoas acham que leito de UTI é a cura, leito de UTI salva 40% dos pacientes que chegarem, 60% vai morrer. Ficar nessa ilusão de que abrir leito de UTI e “vida que segue” é uma total ilusão. A gente expande porque dá alguma chance de sobrevida, 40% não é pouco, mas está distante de ser o que as pessoas parecem acreditar.
O senhor disse que todos devem fazer a sua parte, mas pelas festas que aconteceram no Carnaval ou outras aglomerações que se têm visto, parece que muitas pessoas não vão fazer sua parte, inclusive foi o que levou todo o Estado à bandeira preta. O senhor cogita tomar medidas ainda mais duras, como lockdown, por exemplo?
Nós torcemos para que isso não seja necessário. Se houver adesão da população às restrições já estabelecidas, é possível que a gente possa pensar em restrições menores logo ali na frente, mas nada pode ser descartado neste momento. O lockdown aqui é menos possível. Visualizo menor chance de se fazer pelo nosso ordenamento jurídico, há uma dificuldade de se implementar uma medida que significasse o bloqueio da circulação das pessoas Isso ainda encontra obstáculo na própria consciência coletiva. O lockdown deve encontrar a compreensão das pessoas de que o momento é crítico. Se a situação continuar se agravando pode ser inevitável que adotemos algo próximo dele. É por isso que precisamos do apoio de toda a sociedade. Não se trata de buscar quem é o culpado (pela piora do contexto da pandemia), não é o restaurante, a academia. Entendo cada um dos representantes desses setores, que olham para si e para suas vidas e sofrem com isso se angustiam com isso, entendo e não se trata mesmo de buscar culpados. Trata-se (a restrição) de buscar impactar na vida das pessoas para que elas percebam que as coisas não estão no seu normal e que precisamos, portanto, mudar hábitos, mudar a cultura coletiva aqui para reduzir ao máximo a circulação. Vamos permanecer estudando e buscando identificar medidas que impactem nesse sentido, que é de certa forma alterar a rotina das pessoas para que elas possam ficar em casa o máximo possível e entendam, pela sua rotina alterada, que as coisas não estão em um nível normal.
Quais têm sido os principais desafios na implementação do Modelo do Distanciamento Controlado? Como estão sendo os trabalhos para as definições das bandeiras por região e os ajustes nos protocolos?
O Modelo do Distanciamento Controlado se propõe a dar maior objetividade na definição do nível de risco de contágio do novo coronavírus, para não ficar apenas na percepção de cada um, o que seria altamente subjetivo. A proposta é retirar essa subjetividade e dar objetividade. São 11 indicadores que a gente acompanha para entender o nível de risco e fica claro de que forma calculamos esse nível de risco para que seja transparente, compreensível e assim não tendo subjetividade na definição das restrições, retirar carga e pressão política. Assim, é possível entender por que se “mandou fechar” determinado setor. Isso também vem subsidiar a decisão do governador, porque (o Modelo do Distanciamento Controlado) orienta qual o nível de risco e assim a gente pode dar protocolos proporcionais em cada uma das regiões. Esse é o papel do Modelo e, com o passar do tempo, vamos identificando se o peso de um indicador ou outro está sendo subestimado ou superestimado. Isso ajuda a dar regras mais uniformes para o Estado, que definem o risco, ou seja, estamos avaliando o risco das regiões pela mesma ótica. Analisamos toda semana os números relacionados às síndromes respiratórias, hospitalizações, número de óbitos, expectativa para o futuro de óbitos. Para que, a partir disso, a gente possa ter algo objetivo que nos permita resistir às pressões. O que vai fechar, o que vai abrir, o modelo analisa matematicamente. Não significa que o governador goste de um ou outro, seja amigo de um ou de outro, o Modelo se propõe a fazer essa análise, de tudo que é objetivo em uma pauta tão polêmica. Acho que ajuda bastante para que a gente possa conduzir esse processo da melhor forma possível.
Em caso de colapso do sistema de saúde, com falta de vaga nas UTIs, que já vem sendo verificada, e até mesmo em leitos clínicos, quais são as alternativas?
Há uma zona cinzenta sobre esse colapso do sistema de saúde, porque ele começa dentro do hospital, onde tem um paciente que se agrava e não tem um leito de UTI naquele mesmo espaço, então tem que procurar outro hospital para ele. A partir daí, vai para a Central de Regulação, entra em lista de espera até achar outro hospital e aí começa a ficar difícil achar atendimento. Tem leito? Tem, mas a pessoa vai em um hospital que não tem disponibilidade porque estão todos ocupados, começa a ficar difícil encontrar a disponibilidade do leito, começa a ser uma batalha achar estrutura que socorra aquele paciente, que está agravando. Já estamos em situação que se encaminha para o colapso do sistema de saúde, como acontece em Santa Catarina, no Paraná e também parece estar começando a acontecer em estados como Ceará, São Paulo e Bahia, por exemplo. Os governadores (de Santa Catarina e do Paraná) já estão apresentando medidas muito semelhantes às nossas no sentido de estabelecer restrições. Temos um plano de contingência hospitalar, de emergência, que prevê níveis de acionamento do nosso sistema e que começa pela suspensão de cirurgias eletivas e vão alterando a lógica do funcionamento da estrutura hospitalar do Estado para que tenha capacidade de absorver a demanda da Covid-19. É importante dizer que isso acontece em prejuízo de outras demandas de saúde, não são cirurgias supérfluas que não precisam ser feitas, são aquelas em que não há risco de vida no paciente. Então, isso vai ficar represado e também o diagnóstico de outras doenças vai ficar represado e começa a gerar outros problemas de saúde para outras complicações. Imagina se seu pai ou sua mãe infarta e vai buscar leito em uma estrutura de saúde totalmente comprometida com atendimento da Covid-19. É muito ruim para todos, qualquer doença, qualquer enfermidade. Seguimos na lógica de expansão, buscando caminhos possíveis para continuar ampliando dentro das nossas possibilidades, mas temos uma estrutura limitada e que chegará ao seu limite. Portanto é fundamental ter ajuda da população para reduzir a circulação do vírus e o contágio.
Como o senhor avalia a agilidade do processo de vacinação? Com qual estimativa o governo trabalha para que tenhamos ampla cobertura vacinal no Estado?
Houve grande confusão gerada pela vacina no debate político e ideológico que se travou ao redor dela. O presidente infelizmente colocou em xeque a credibilidade da vacina, disse que não ia se vacinar, disse que quem se vacinasse poderia virar jacaré, toda uma crítica sobre a vacina que não colabora em nada, ainda mais nesse momento em que precisamos que a população busque a vacina. As manifestações geram especulações de que o cronograma foi atrasado pelos ataques do presidente sobre a vacina. A compra dessas vacinas está acontecendo, mas está muito lenta, então estamos estabelecendo contatos no sentido de o próprio Estado adquirir as vacinas. Estamos em contato direto com os laboratórios e também com o Fórum dos Governadores, buscando caminhos que se apresentem possíveis para adquirir as vacinas. Já temos negociações que acontecem ainda sob sigilo e não são fáceis, pois os laboratórios priorizam a venda ao Ministério da Saúde. Então estamos nessas pendências, buscando caminhos e alternativas.
Fonte: Correio do Povo