Na manhã de quarta-feira (6), às 10h28min, Carlos Alberto Weber Patussi retornou os contatos feitos pela reportagem no dia anterior. Telefonou do consultório odontológico que mantém no centro de Arvorezinha, município a 20 quilômetros de Anta Gorda, também no Vale do Taquari. O dentista, que chegou a ser preso duas vezes sob acusação de matar e ocultar o cadáver do vizinho, o gerente de banco Jacir Potrich, 55 anos, desaparecido desde 13 de novembro de 2018, disse-se injustiçado. A ação contra ele foi suspensa por decisão do Tribunal de Justiça (TJ). O Ministério Público recorreu da decisão e após análise do TJ, o caso pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
— É algo muito triste isso. Meu mundo caiu. Foi uma tragédia para a outra família, mas para a minha também. Para todo mundo — resumiu.
— Mesmo com três desembargadores decidindo a meu favor, por total falta de qualquer prova contra mim, parece que para o meu lado sempre aparece o negativo. O destaque (na imprensa) era que cabia recurso. Isso tudo me entristece muito, me chateia — disse.
Para o relator do habeas corpus, o desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto, o rompimento do contrato de locação e o fato de Patussi ter manuseado as câmeras de segurança — o que para a Polícia Civil e a Promotoria indica que ele queria desviar o foco dos equipamentos para poder ocultar o corpo — “mostram-se frágeis” para considerar que o dentista tenha matado o vizinho.
O desembargador entendeu ainda que não foram encontrados vestígios da prática de homicídio “estando tudo a indicar que, ocorrido esse, teria sido praticado em local outro”. Considerou ainda que o “o período de tempo determinado pela acusação para a execução do crime seria, à evidência, insuficiente para que o paciente tivesse, além de matar a vítima, ocultado o cadáver dessa e, isso, sem deixar rastro algum.”
Sem dar detalhes, Patussi relatou que tem tentado retomar a rotina no trabalho e com a família. Ele atende aos pacientes no município vizinho e retorna para Anta Gorda no início da noite. O dentista continua residindo no condomínio de três casas onde o gerente desapareceu em novembro do ano passado.
— Estou tentando tocar a minha vida, no meu mundo pequeno. Trabalhando. É isso que estou tentando fazer — afirmou.
“Sem fundamento e sem provas”, diz advogado
Questionado sobre detalhes do caso, Patussi indicou o advogado Paulo Olímpio Gomes de Souza, que lhe representa no processo. Afirmou que pretendia falar, mas que não sabe “se esse é o momento oportuno”. Na quinta-feira (7), a reportagem conversou com o advogado, que sustenta que Patussi não tem envolvimento no sumiço do vizinho e que não há elementos que provem o contrário.
Segundo o advogado, a defesa está trabalhando nas contrarrazões ao recurso apresentado pelo MP, que poderá ou não ter seguimento e ser encaminhado para o STJ, em Brasília. Confira abaixo o posicionamento do advogado sobre alguns pontos do processo:
O desaparecimento
“O desaparecimento de Jacir continua sem explicação. Pode estar vivo. Pode estar morto. Tudo que se quer é que essa investigação continue. Se não foi Carlos (Patussi), e afirmo que não foi, que explicação tem o desaparecimento? A comunidade quer saber. As investigações não poderiam ter cessado nunca. Tem de haver uma explicação. Se há homicídio, se há alguém culpado, tem de abrir um leque. Isso não pode ter cessado e nem devia ter cessado. Até para tranquilidade de Carlos e da família dele. Se não, sempre fica uma pena, voando no ar.”
Perícias
“Se ele (Potrich) morreu, não foi no condomínio. Isso a prova técnica deixou bem claro. O prosseguimento dessa ação é absolutamente sem fundamento e sem provas. Estamos confiantes. Se fez perícia na casa do Patussi, nas roupas, nos carros, no quiosque, onde teria se imaginado que pudesse ter acontecido um homicídio. Não tinha nenhum vestígio. Essas perícias deram segurança aos desembargadores. Não tem como haver processo contra uma pessoa, se não há prova nenhuma.”
Manuseio de câmeras
“Aquelas imagens do Patussi caminhando em volta da casa, examinando em cima da residência que estava em obras e sendo pintada. Ele, voltando do trabalho, à tardinha, comendo uma fruta, brincando com o cachorro, subiu na casa para ver a parede da lareira, que ele tinha recomendado (o reparo), porque havia um fissura, para que fosse bem tapada. Essas imagens captaram isso. Não foi apagada nenhuma imagem naquele aparelho. O que foi desativado foi uma das câmeras porque ele estava limpando as teias de aranha e folhagens. Tentou limpar com um cabo de vassoura e, por descuido, desativou. Nem existia câmera direcionada para o quiosque.”
Encontro no quiosque
“Da casa dele (Patussi) até o quiosque são uns 50 metros. Ida e volta daria quase um minuto. Ele sai das câmeras. Ninguém sabe onde estava. Ele estava num morrinho ao lado para olhar de cima do telhado. Ele não foi ao quiosque. Não tem nada que prove que ele esteve no quiosque. Nesse um minuto (segundo a acusação da Promotoria) teria asfixiado o Jacir e sumido com o corpo dele. Isso é absolutamente impraticável. Isso é fruto de imaginação e fantasia. Tudo isso foi sopesado pelos desembargadores. Eles chegaram à conclusão que, se homicídio houve, não teria ocorrido no condomínio”.
O que diz o Ministério Público
Em 23 de janeiro, Patussi foi detido em um apartamento em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Para a Polícia Civil e o MP, ele matou o gerente estrangulado dentro do quiosque. Embora tenham sido amigos, a relação teria ficado estremecida após mudança da sede do Sicredi, que antes ficava em um prédio de propriedade de Patussi, segundo a acusação. A Promotoria sustenta que o dentista teria passado a culpar o bancário pela perda do valor do aluguel.
Segundo o promotor André Prediger, responsável pela denúncia, a conclusão de que o bancário foi estrangulado pelo dentista se deu pela exclusão de outras possibilidades. A perícia não localizou vestígios de sangue humano, por exemplo. Imagens de câmeras de segurança do residencial obtidas pela investigação mostram Patussi caminhando pelo terreno e mexendo em duas câmeras de segurança com uma vassoura. Uma delas tem o foco desviado para o alto e a outra é desligada. A polícia e o MP entendem que neste momento, logo após supostamente matar o vizinho, o dentista estaria desviando os equipamentos para que não flagrassem a ocultação do corpo.
— Foi a última pessoa que esteve com a vítima Potrich dentro daquele quiosque. Isto está confirmado pelas imagens que apresentam a vítima entrando no quiosque minutos antes e o Patussi entrando depois (vídeo mostra ele caminhando na direção em que fica quiosque). Foi pelo menos a última pessoa a ver o Potrich com vida. Depois dessa entrada no quiosque, o Potrich desaparece. Nós entendemos que a materialidade pode ser provada pelo exame pericial no corpo, o auto de necropsia, ou por outras provas que substituam esse exame em alguns casos, como este, se não a gente está partindo do pressuposto de que existe crime perfeito — conclui Prediger.
Fonte: Gaúcha ZH